Com a
carteira de trabalho retida e alojados em condições precárias, trabalhadores
eram submetidos a jornadas de cerca de 15 horas diárias
Trinta e
sete trabalhadores foram resgatados pela CSP-Conlutas em condição análoga à de
escravidão em um alojamento no Riacho Fundo 2, bairro de Brasília (DF). Segundo
os relatos colhidos no local pela Central Sindical e pelo ANDES-SN, os
operários da construção civil foram contratados para trabalhar na construção do
Projeto Morar Bem, do governo distrital, cujos apartamentos serão financiados
pelo projeto Minha Casa Minha Vida, do governo federal. As obras, de acordo com
os trabalhadores e com o site do programa, são executadas pela construtora JC
Gontijo.
A denúncia
chegou à Central Sindical através ligação anônima dos próprios trabalhadores,
indignados com as condições precárias a que estavam submetidos, muito
diferentes daquelas prometidas quando da contratação da mão de obra para a
construção. O coordenador da CSP-Conlutas, Atnágoras Lopes, foi à casa onde
estavam alojados os trabalhadores, acompanhado dos diretores do ANDES-SN, Gean
Santana e Henrique Mendonça, e com a representação da Assessoria Jurídica
Nacional (AJN) do ANDES-SN.
Situação
precária e constrangedora
Os operários
foram aliciados, em sua grande maioria no Piauí. Vieram para a capital federal
no início de setembro, financiando a própria passagem, com a promessa de que
seriam reembolsados. De acordo com relatos de um grupo do Piauí, eles chegaram
a fretar um ônibus para vir à Brasília, com a expectativa de que o dinheiro
seria reposto pela empresa.
Todos os
trabalhadores estão com suas carteiras de trabalho retidas pela construtora, e
poucos têm algum contrato de trabalho ou documento que confirme o vínculo
empregatício.
Alojados em
uma casa de três pisos, em quartos com três ou mais beliches e pouca
ventilação, os trinta e sete trabalhadores tinham pouco espaço para armazenar
comida, objetos pessoais e materiais de limpeza. Foram informados de que, nos
próximos dias, mais pessoas devem chegar para morar no local, onde a
expectativa é abrigar cinqüenta trabalhadores.
Os
eletrodomésticos, duas geladeiras e dois fogões usados, foram instalados na
casa esta semana, após muita cobrança. Sem espaço para guarda-roupas nos
quartos, os armários ficam nos corredores e na cozinha. Os primeiros
trabalhadores que chegaram na casa, contam passaram fome, pois a
empresa alegou que como ainda não tinham contrato assinado, não teriam direito
à alimentação. Sem ter onde cozinhar, improvisaram uma churrasqueira e por
dias, contam, preparavam os alimentos no terraço da casa, com carvão.
Segundo
contaram os operários, não foram fornecidos água mineral, produtos de higiene
básicos, como sabonete e papel higiênico, nem material de limpeza. Todos
os materiais tiveram que ser comprados pelos próprios operários, de novo com a
promessa do reembolso que não ocorreu. O único ventilador que havia em um dos
quartos, de propriedade de um dos operários, queimou depois que um vazamento na
parede inundou o cômodo.
A empresa
também havia se comprometido em dar para cada trabalhador, dois uniformes. No
entanto, eles receberam apenas um, para usar durante toda a semana exaustiva de
trabalho.
Alimentação
escassa e jornada excessiva
Os operários
relataram que tinham direito a uma refeição, servida na obra e outra, aos que
estavam na casa, no final do dia, sem hora certa para ser entregue. Quando a
equipe do ANDES-SN e da CSP-Colutas chegou à casa, uma picape fazia a entrega
das “quentinhas”, que segundo os trabalhadores já estavam frias.
“O café da
manhã era pão seco, desses que desfaz na mão. Teve dia que eram quinze
quentinhas para trinta e cinco pessoas. Outro dia, a comida veio azeda e quem
teve coragem de comer passou mal no dia seguinte”, relatam.
De acordo
com os trabalhadores, quem fica na obra a noite, não tem direito à janta. “Eles
dão pão e suco. A quentinha só vem pra quem já está na casa. Tem pessoas que
moram junto comigo aqui que chegam às duas horas da manhã, sem janta e são
obrigado a trabalhar no dia seguinte às 7 horas”, conta MMS. Conforme relatos,
as jornadas abusivas de trabalho, inclusive aos sábados, eram exercidas sob
assédio e pressão dos encarregados e mestre de obras.
“O trabalho
começava sempre às sete horas da manhã, mas sem hora para acabar. Nos diziam
que como estávamos alojados, tínhamos que trabalhar dobrado, porque dávamos
mais despesa para a empresa”, relata MMS, sendo corroborado pelos demais
companheiros. Os operários relataram fazer jornadas médias de 15 horas, com no
máximo uma hora de pausa para refeição e descanso.
Situação
inédita para muitos
Vários
operários contaram que trabalham no “trecho”, ou seja, muitos já atuaram em
outras canteiros de obras, mas poucos estiveram submetidos a situações de
tamanha humilhação e falta de compromisso da empresa.
“Trabalho na
construção desde os dezesseis anos. Já estive em muitas obras e normalmente as
‘repúblicas’ onde ficamos alojados têm água filtrada para consumo, materiais de
higiene, área de lazer, cozinha. As refeições, no canteiro de obras, são feitas
em restaurantes. Poucos lugares tinham as marmitas. Não imaginava que aqui
seria assim”, comenta DS. Vários outros operários fizeram relatos semelhantes e
afirmaram o desejo de retornar a suas cidades de origem.
Ação
política
O
coordenador da CSP-Conlutas, Atnágoras Lopes, conversou com os trabalhadores,
explicando que a situação a que estavam submetidos pode ser considerada análoga
à de escravidão. “Devido à forma como foram aliciados, muitos indicados por
“conhecidos”, com promessas de salário e reembolso de despesas que não se
concretizaram. Além disso, o fato da carteira de trabalho estar retida, dos
relatos de excessiva jornada de trabalho sob constante assédio, a super lotação
do alojamento e total falta de higiene, podemos dizer que o que vocês vivem
hoje se assemelha ao que consideramos situação análoga à de escravos, que vêm
ocorrendo em várias obras pelo país”, detalhou.
Lopes contou
aos trabalhadores sobre o recente flagrante nas obras do aeroporto de
Guarulhos, onde 111 operários foram resgatados de situações semelhantes.
O
coordenador da CSP-Conlutas informou que uma das alternativas, caso os
trabalhadores concordassem, seria deixar o local e acionar o Ministério Público
do Trabalho para reaver as carteiras de trabalho, receber pelos dias
trabalhados e exigir da empresa o reembolso das despesas e o financiamento do
retorno aos locais de origem.
“Além disso,
iremos acionar a justiça para que vocês sejam indenizados pela situação de
humilhação e exploração à que estão submetidos. É inadmissível que uma empresa,
do tamanho da JC Gontijo, considerada a quinta maior empreiteira do país, trate
seus trabalhadores dessa forma, ainda mais em uma obra financiada pelo Governo
Federal, na capital do país”, acrescentou.
Encarregados
das obras, acompanhados de homens com capacetes que não quiseram se
identificar, e policiais militares estiveram na casa com o objetivo de
pressionar os trabalhadores a permanecer no local. Exigiram ainda que os
representantes das entidades sindicais se retirassem dali, pois não havia
autorização da empresa para estarem na casa.
Os
trabalhadores decidiram por deixar o alojamento e foram abrigados pelo
Sinasefe, entidade filiada à CSP-Conlutas.
Registro dos
relatos
A Assessoria
Jurídica do ANDES-SN coletou relato da situação de todos os trabalhadores e já
encaminhou ao Ministério Público do Trabalho do Distrito Federal uma
representação contra a empresa. Junto ao documento, foram anexados ainda
registros fotográficos do local e da situação em que estavam alojados os
trabalhadores.
Antes de ir
ao encontro dos operários, os representantes da CSP-Conlutas e do ANDES-SN
estiveram no MPT/DF, reunidos com os Procuradores do Trabalho, Ana Cláudia
Monteiro e Joaquim Nascimento, solicitando acompanhamento do órgão de
fiscalização. Os representantes do MPT/DF se comprometeram a encaminhar a
denúncia, tão logo recebessem a petição da CSP-Conlutas.
Nenhum comentário:
Postar um comentário