terça-feira, 1 de outubro de 2013

CSP-Conlutas flagra condição análoga à escravidão em obra do governo no DF

Com a carteira de trabalho retida e alojados em condições precárias, trabalhadores eram submetidos a jornadas de cerca de 15 horas diárias 

Trinta e sete trabalhadores foram resgatados pela CSP-Conlutas em condição análoga à de escravidão em um alojamento no Riacho Fundo 2, bairro de Brasília (DF). Segundo os relatos colhidos no local pela Central Sindical e pelo ANDES-SN, os operários da construção civil foram contratados para trabalhar na construção do Projeto Morar Bem, do governo distrital, cujos apartamentos serão financiados pelo projeto Minha Casa Minha Vida, do governo federal. As obras, de acordo com os trabalhadores e com o site do programa, são executadas pela construtora JC Gontijo.

A denúncia chegou à Central Sindical através ligação anônima dos próprios trabalhadores, indignados com as condições precárias a que estavam submetidos, muito diferentes daquelas prometidas quando da contratação da mão de obra para a construção. O coordenador da CSP-Conlutas, Atnágoras Lopes, foi à casa onde estavam alojados os trabalhadores, acompanhado dos diretores do ANDES-SN, Gean Santana e Henrique Mendonça, e com a representação da Assessoria Jurídica Nacional (AJN) do ANDES-SN.

Situação precária e constrangedora
Os operários foram aliciados, em sua grande maioria no Piauí. Vieram para a capital federal no início de setembro, financiando a própria passagem, com a promessa de que seriam reembolsados. De acordo com relatos de um grupo do Piauí, eles chegaram a fretar um ônibus para vir à Brasília, com a expectativa de que o dinheiro seria reposto pela empresa.

Todos os trabalhadores estão com suas carteiras de trabalho retidas pela construtora, e poucos têm algum contrato de trabalho ou documento que confirme o vínculo empregatício.

Alojados em uma casa de três pisos, em quartos com três ou mais beliches e pouca ventilação, os trinta e sete trabalhadores tinham pouco espaço para armazenar comida, objetos pessoais e materiais de limpeza. Foram informados de que, nos próximos dias, mais pessoas devem chegar para morar no local, onde a expectativa é abrigar cinqüenta trabalhadores.

Os eletrodomésticos, duas geladeiras e dois fogões usados, foram instalados na casa esta semana, após muita cobrança. Sem espaço para guarda-roupas nos quartos, os armários ficam nos corredores e na cozinha. Os primeiros trabalhadores que chegaram na casa, contam passaram fome, pois a empresa alegou que como ainda não tinham contrato assinado, não teriam direito à alimentação. Sem ter onde cozinhar, improvisaram uma churrasqueira e por dias, contam, preparavam os alimentos no terraço da casa, com carvão.

Segundo contaram os operários, não foram fornecidos água mineral, produtos de higiene básicos, como sabonete e papel higiênico, nem material de limpeza. Todos os materiais tiveram que ser comprados pelos próprios operários, de novo com a promessa do reembolso que não ocorreu. O único ventilador que havia em um dos quartos, de propriedade de um dos operários, queimou depois que um vazamento na parede inundou o cômodo.

A empresa também havia se comprometido em dar para cada trabalhador, dois uniformes. No entanto, eles receberam apenas um, para usar durante toda a semana exaustiva de trabalho.

Alimentação escassa e jornada excessiva
Os operários relataram que tinham direito a uma refeição, servida na obra e outra, aos que estavam na casa, no final do dia, sem hora certa para ser entregue. Quando a equipe do ANDES-SN e da CSP-Colutas chegou à casa, uma picape fazia a entrega das “quentinhas”, que segundo os trabalhadores já estavam frias. 
“O café da manhã era pão seco, desses que desfaz na mão. Teve dia que eram quinze quentinhas para trinta e cinco pessoas. Outro dia, a comida veio azeda e quem teve coragem de comer passou mal no dia seguinte”, relatam.

De acordo com os trabalhadores, quem fica na obra a noite, não tem direito à janta. “Eles dão pão e suco. A quentinha só vem pra quem já está na casa. Tem pessoas que moram junto comigo aqui que chegam às duas horas da manhã, sem janta e são obrigado a trabalhar no dia seguinte às 7 horas”, conta MMS. Conforme relatos, as jornadas abusivas de trabalho, inclusive aos sábados, eram exercidas sob assédio e pressão dos encarregados e mestre de obras.

“O trabalho começava sempre às sete horas da manhã, mas sem hora para acabar. Nos diziam que como estávamos alojados, tínhamos que trabalhar dobrado, porque dávamos mais despesa para a empresa”, relata MMS, sendo corroborado pelos demais companheiros. Os operários relataram fazer jornadas médias de 15 horas, com no máximo uma hora de pausa para refeição e descanso.

Situação inédita para muitos
Vários operários contaram que trabalham no “trecho”, ou seja, muitos já atuaram em outras canteiros de obras, mas poucos estiveram submetidos a situações de tamanha humilhação e falta de compromisso da empresa. 
“Trabalho na construção desde os dezesseis anos. Já estive em muitas obras e normalmente as ‘repúblicas’ onde ficamos alojados têm água filtrada para consumo, materiais de higiene, área de lazer, cozinha. As refeições, no canteiro de obras, são feitas em restaurantes. Poucos lugares tinham as marmitas. Não imaginava que aqui seria assim”, comenta DS. Vários outros operários fizeram relatos semelhantes e afirmaram o desejo de retornar a suas cidades de origem.

Ação política
O coordenador da CSP-Conlutas, Atnágoras Lopes, conversou com os trabalhadores, explicando que a situação a que estavam submetidos pode ser considerada análoga à de escravidão. “Devido à forma como foram aliciados, muitos indicados por “conhecidos”, com promessas de salário e reembolso de despesas que não se concretizaram. Além disso, o fato da carteira de trabalho estar retida, dos relatos de excessiva jornada de trabalho sob constante assédio, a super lotação do alojamento e total falta de higiene, podemos dizer que o que vocês vivem hoje se assemelha ao que consideramos situação análoga à de escravos, que vêm ocorrendo em várias obras pelo país”, detalhou.

Lopes contou aos trabalhadores sobre o recente flagrante nas obras do aeroporto de Guarulhos, onde 111 operários foram resgatados de situações semelhantes.

O coordenador da CSP-Conlutas informou que uma das alternativas, caso os trabalhadores concordassem, seria deixar o local e acionar o Ministério Público do Trabalho para reaver as carteiras de trabalho, receber pelos dias trabalhados e exigir da empresa o reembolso das despesas e o financiamento do retorno aos locais de origem.

“Além disso, iremos acionar a justiça para que vocês sejam indenizados pela situação de humilhação e exploração à que estão submetidos. É inadmissível que uma empresa, do tamanho da JC Gontijo, considerada a quinta maior empreiteira do país, trate seus trabalhadores dessa forma, ainda mais em uma obra financiada pelo Governo Federal, na capital do país”, acrescentou.

Encarregados das obras, acompanhados de homens com capacetes que não quiseram se identificar, e policiais militares estiveram na casa com o objetivo de pressionar os trabalhadores a permanecer no local. Exigiram ainda que os representantes das entidades sindicais se retirassem dali, pois não havia autorização da empresa para estarem na casa.

Os trabalhadores decidiram por deixar o alojamento e foram abrigados pelo Sinasefe, entidade filiada à CSP-Conlutas.

Registro dos relatos

A Assessoria Jurídica do ANDES-SN coletou relato da situação de todos os trabalhadores e já encaminhou ao Ministério Público do Trabalho do Distrito Federal uma representação contra a empresa. Junto ao documento, foram anexados ainda registros fotográficos do local e da situação em que estavam alojados os trabalhadores.

Antes de ir ao encontro dos operários, os representantes da CSP-Conlutas e do ANDES-SN estiveram no MPT/DF, reunidos com os Procuradores do Trabalho, Ana Cláudia Monteiro e Joaquim Nascimento, solicitando acompanhamento do órgão de fiscalização. Os representantes do MPT/DF se comprometeram a encaminhar a denúncia, tão logo recebessem a petição da CSP-Conlutas.

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